No começo, ela tirava o vestido do armário uma
vez por semana. Examinava com muito zelo. Não podia ter nenhuma mancha de mofo
ou algo parecido naquele vestido de cetim rosa antigo, muito decotado! Se
estivesse cheirando a guardado – relavava, repassava e
reengomava.
E o vestido voltava para o armário.
No
começo ele ficava bem à sua vista. Fora comprado para ser usado e não podia
ficar no fundo do armário, como os trapos velhos de usar em casa.
Com o passar do tempo, o vestido especial que
esperava um convite foi indo cada vez mais para sua direita, dando lugar às
peças novas de usar no dia a dia até chegar, sem nunca ter tido a sua estréia,
ao lado das roupas velhas e não mais usadas. O vestido começava formar pequenos
vincos, assim como o rosto da mulher, que cada vez menos se importava em cuidar
da espera.
O
vestido. Os vincos. Os silêncios.
Às
vezes ela sentia muita vontade de romper com aquele silêncio que lhe era
insuportável e falar. Mas falar o quê? Para quem? Ele nuca falava. Não, minto!
Muitas vezes ele abria a boca: para reclamar, para maldizer a vida, sempre
bravo, sempre neurastênico.
O silêncio e a braveza sempre foram os
companheiros daquela casa. E ela achava que a vida era assim mesmo. E toca para
frente. Sem música, por que música também não se ouvia naquela casa.
Mas um dia...
Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito
de sempre chegar!
Quieto como sempre, mas sem a braveza
costumeira, sem lista de reclamações e pequenas raivas diárias. A mulher não
entendeu. Mas também não perguntou. Estava desconcertada demais com o jeito com
que ele olhava para ela. Ela sequer se lembrava deste tipo de olhar, não sabia
se era bom ou ruim – não sabia se haveria uma explosão ou uma calmaria. Ele continuou
a olhá-la. A mulher se sentiu intimidada, depois sem nenhum controle, seus
olhos desceram para o chão, tão tímida ficou e em seguida se sentiu lisonjeada
por que achou que aquela maneira de olhar, que ela nunca tinha visto... Ah! O
modo como ele estava olhando para ela era um jeito muito, muito mais quente do
que ele sempre costumava olhar...
O homem, que costumava ignorar a presença da mulher, naquele dia não
a deixou sozinha nem um minutinho, e assim, de repente, de uma hora para outra,
sem que ela pudesse jamais esperar... ele convidou-a para rodar.
Um mundo de pensamentos passou por sua
cabeça: Por que será que depois de tanto tempo? O que vestir, meu Deus? Será
possível que ele esteja mudando? Sapatos altos ou baixos? Meu Deus, que ele
esteja mudando! Meias finas? Será que ele ainda...
E desta maneira atabalhoada, foi que ela se
colocou bonita para o homem!
Procurou o vestido especial, que a esta
altura já estava na parede do armário. Sim cheirava a guardado, mas não daria
tempo de lavar, então, paciência! Amarrou a fita de gorgurão na cintura, que já
não era mais a mesma, mas ainda assim fina, e o decote assentou bem, embora
parecesse menos ousado do que na época em que comprou o vestido.
Estava se sentindo mui linda.
Quando abriram a porta da frente o homem
estava de braços dados com a mulher. Não se usava mais dar os braços daquela
maneira, mas ele não percebeu e ela não se importou.
Em
frente à casa havia uma praça. O casal andou até lá. Com muita ternura o homem
abraçou a mulher. E começaram a se lembrar dos primeiros passos da primeira
valsa que dançaram juntos. Firmes estavam, seguros dançavam. Um nos braços do
outro valsaram, a princípio vagarosamente, depois mais rápido, mais rápido e
mais rápido. E giraram, giraram, giraram, giraram... e dançaram tanta dança que
a vizinhança toda despertou. E a felicidade era tanta que toda a cidade se
iluminou. E holofotes da cidade desperta iluminaram o rosto da mulher.
O homem olhou a mulher assim, iluminada,
corada de tanto rodar, e teve fome. Muita fome.
A mulher, que nunca tinha preparado nada além de caldos e insossos
pratos de cozido, desejou oferecer suas melhores iguarias. O homem então
experimentou suas sobrancelhas. E cada um dos olhos da mulher se fechou. Ele
beijou seus cílios e a ponta do nariz e o queixo...A mulher ofereceu seu
pescoço seu colo, seus ombros. A dobra dos braços os cotovelos. E o homem
beijou as palmas de suas mãos e os meios dos dedos e as unhas. Beijou suas
costelas, suas ancas, cada vértebra de sua coluna. Recheou sua nuca, o meio dos
seios, a barriga. Untou suas coxas, a dobra das pernas, mordeu sua batata,
salpicou seu tornozelo. O homem se deliciou com redondos joelhos, umbigos e
auréolas. Beijou seus dentes e suas gengivas.
E
foram tantos os beijos loucos, tanto os gritos roucos como não se ouvia mais .
Que o mundo inteiro compreendeu e o dia amanheceu em paz.